19 de abr. de 2016

19-04-2016

Oitenta anos! Ainda alimentava a ilusão de ser um jornalista. Nunca o fora, mas sempre acreditou ser. Passou toda a sua vida reclamando, sem aproveitá-la, e agora lamentava não ter vivido como queria.
Olhava pela janela e via o sol nascer, podia ter visto mais vezes, mas estava ocupado de mais lendo jornais e livros – um dia ainda isso lhe serviria para alguma coisa.
Não tinha mais mulher, seus filhos o abandonaram depois da morte da mãe. Não tinha ninguém, não tinha amigos, apenas aquela velha máquina de escrever a qual ele tratava como se fosse sua filha.
Foram milhares de papéis preenchidos com seus rabiscos. Acreditava que um dia alguém ainda ia notar e, então, transformá-lo no tão sonhado jornalista que sonhava ser, mas que nunca tinha buscado acontecer.
Outro dia, dormiu sobre a máquina e sonhou que tinha vinte e dois anos. Era sua formatura. Finalmente formava-se na carreira que havia escolhido. Estava sendo requisitado pelos melhores jornais do país. Suas mãos escreviam artigos esplendorosos e ao seu lado estava a mulher que amava. Fazia tudo que não tinha feito durante sua vida inteira. Estava sendo feliz.
Acordou e achou que ainda estava sonhando, escreveu um texto sobre como viver uma vida com felicidade. Pensou ser um bom texto, mas como escrever sobre algo que você desconhece? Levantou-se e foi tomar uma xícara de café. Foi então que notou que poderia tentar recomeçar, faria tudo diferente, afinal, ainda não estava morto. Animou-se, começou a arrumar suas coisas, iria atrás de jornais, atrás de seus filhos. Começaria uma nova vida aos oitenta anos. Mas, bobagem isso tudo, não poderia, era velho demais para tudo isso, logo morreria. Era um velho fracassado. Quem iria contratar um senhor de barbas brancas e com ralos cabelos na enrugada cabeça?
Voltou a dormir, já de pijama e em sua própria cama. Acordou assustado de um sonho turbulento. O suor escorria pelas costas. Havia sonhado com sua morte, viu-se dentro de um caixão; as poucas pessoas que apareceram para prestar as últimas homenagens, riam e atiravam flores murchas. Percebeu que o telefone tocando o tinha despertado.
Há tempos o telefone não tocava naquela casa. O barulho ecoou por toda a imensidão de paredes da casa. Devia ser engano, deixou tocar. O som do toque parecia cada vez mais alto e desesperado. Quem quer que fosse, era persistente. Provavelmente era uma daquelas mulheres chatas que ligam para importunar as pessoas querendo te oferecer um produto. Atendeu. Uma voz rouca do outro lado da linha perguntou por Valdir. Era ele. O que alguém queria com ele? Provavelmente pedir alguma coisa.
Era seu irmão. Fazia exatamente um ano que não se falavam. Queria lembrar Valdir de dar os parabéns a ele. Ele sempre esquecia, por isso seu irmão ligava. Deu, e conversaram sobre a vida presente e passada. Derramou lágrimas de seus olhos ao lembrar de sua infância e de tudo que já tinha passado. Lembrou-se da sua amada esposa novamente. Como era difícil viver sem ela. Daria tudo para ela estar ali com ele ainda. Tinha sido seu grande, eterno e único amor.
Despediu-se do irmão e, pela primeira vez, disse que o amava. Desligou o telefone e apanhou um retrato que guardava de sua mulher. Abraçou sob choro e soluços. Pensou nos filhos e pensou nos netos, nas poucas vezes que os tinha visto. Como estariam? Sentiu vontade de falar com eles, mas preferiu deixar para outro dia, como fez com tudo em sua vida. Uma vez a mais ou a menos não faria diferença.
Deitou-se na cama, ainda abraçando o retrato. Sentiu seu corpo pesar. Deu um beijo na esposa e fechou os olhos para nunca mais abrir.