Era uma tarde quente de inverno, a luz do sol
entrava no quarto dela e deixava os lençóis quentes, mas o vento que adentrava
deixava cada pelo do seu corpo arrepiado. Tom passou a mão em seus braços
ouriçados e mais pelos se levantaram. Ela sabia que era ele que a deixava
daquele modo, seu corpo tremia com o toque dele e seu coração acelerou quanto
ele tocou seus lábios em sua barriga. Não era a primeira vez que era tomada
dessas sensações, mas havia tempo que não sentia. Não era só desejo, tampouco
só amor. Era um misto de sentimentos que ela havia enterrado anos antes com a
mesma pessoa que agora olhava para ela tão fixamente. Milly não pode deixar de
sorrir para ele, seus lábios entreabertos exalavam uma respiração quente e
espaçada sobre ela.
Os dedos de Tom percorreram o corpo dela até o
rosto e novamente até a barriga, como se não pudesse acreditar no que via. “É
como se o tempo tivesse parado, como se nada tivesse mudado. É exatamente como
se estivéssemos há dez anos atrás”. Suas palavras saíram picadas, como em um
estado de êxtase. Milly sabia do que ele falava, sentia-se do mesmo modo.
Estavam ali, deitados na cama como dois adolescentes, pareciam ainda em seus 16
anos. Doidos um pelo outro.
Quando Tom saiu pela porta, Milly fechou seus
olhos, uma lágrima escorria pelo canto do rosto. Não era tristeza, não era
felicidade, nem saudade. Era vontade de que aquele momento não tivesse acabado,
de que ela não tivesse que fechar a porta para o seu passado e muito menos para
o seu presente. Jogou-se na cama que ainda estava quente, com pequenas gotas de
suor espalhadas pelo lençol. O cheiro de Tom ainda estava ali e por um tempo
ela permaneceu com o rosto sufocado pelo colchão e pelo choro, até que absorveu
todo o perfume do corpo dele para ela. Caiu no sono e as lembranças que até
então estavam no passado, voltaram-lhe à mente.
Debruçada em uma
grade, olhava as pessoas caminharem. Ouviu os passos dele aproximando-se e logo
sentiu sua mão passar por sua cintura e lhe abraçar. Ficaram os dois ali, por
minutos eternos, atentos à calçada cheia de pessoas. O rosto de Tom estava
colado ao dela e ela sentiu que ele não observava o movimento, seus olhos
estavam fixos nela. Quando se virou para ele, seus olhos encontraram-se, seus
lábios muito próximos um do outro. Todo o barulho da rua sumiu. As pessoas lá
embaixo pararam de caminhar. O relógio da igreja em frente parou naquele
instante. O perfume de Tom inebriava o lugar. Não havia mais o vento esvoaçando
seus cabelos. Seus olhos não piscaram mais, apenas fecharam-se durante a
eternidade daquele beijo.
Devagar, Milly voltou a abrir os olhos, um
sorriso esboçava em seu rosto. Escutou um telefone ao longe tocando e despertou
para a realidade. Estava em seu quarto, a cama desfeita e o lençol emaranhado
em seus braços. O perfume que sentira segundos antes e que dominava seus
sentidos vinha dos seus próprios braços, que horas atrás abraçara Tom em
desespero. A cortina na janela balançava, entrando e saindo do quarto, o
barulho da rua voltou a aumentar e ela entendeu que os anos não tinham parado,
que ali estava ela, 10 anos depois, arrependida de ter deixado ele ir.
Milly lembrou-se da conversa que tinha tido com
Tom naquele mesmo dia. Fingiu, disse coisas que não vinham do seu coração.
Engoliu tanto seus sentimentos, que se afogou neles. É muito fácil estar com
alguém e não se envolver, com medo de se machucar. É fácil ver a pessoa com
outra, quando o que você sente por ela é só um carinho e nada a mais. É fácil
estar com uma pessoa sem obrigações nenhuma, se tudo não passa de desejos.
Difícil é não se importar, é não se envolver, com uma pessoa por quem seu
coração amoleceu antes de todas as desilusões da sua vida, uma pessoa com a
qual você escreveu parte da sua história. É difícil fingir apenas desejo por
quem você sente amor.
Sabia que não deveria ter deixado ele ir, que
não deveria ter mentido sobre o que sentia ou sobre o que queria. A verdade é
que queria que ele ficasse, que deixasse tudo para estar com ela, e só com ela.
Mas não podia pedir a ele isso. Não era justo. E se talvez ele sentisse por ela
o mesmo que ela sentia por ele, então, talvez, ele resolvesse sozinho ficar.
Racionalidade demais era o seu forte. Não
queria destruir o que ele havia construído até ali enquanto tinham tomado rumos
diferentes. As suas vidas tinham se cruzado em determinado momento e, embora
tudo o que ela sentia tivesse sido verdadeiro, a separação também foi. Mas não
é possível desamar alguém. O amor transforma-se em novos sentimentos. Carinho,
respeito, lealdade e, às vezes, em mais amor. As pessoas mudam, amadurecem,
tomam novas decisões. Milly estava consciente disso, e consciente de que não se
podia esperar que largassem, de uma hora para a outra, toda as
responsabilidades de uma vida.
Com esses pensamentos, voltou a chorar. Dessa
vez a tristeza lhe partia o coração, não podia suportar a ideia de que o beijo
dele estava longe, de que seus braços que a encobriam de abraços e talvez nunca
mais voltassem a entrelaçá-la. As lágrimas eram tantas que a respiração lhe
faltou e, por um instante, pensou que nunca mais o veria. A dor dessa ideia foi
maior do que a de não o ter e com o susto engoliu as lágrimas e os sentimentos
entalados. Esqueceu a racionalidade e, tomada pelo impulso do coração, ligou
para Tom, mas lembrou-se que ele não poderia atender e desligou.
Estava de noite, mas o sono não vinha, sua
cabeça cheia de lembranças incompletas, um tanto abstratas. Fazia tanto tempo,
as memórias tinham se perdido. Lembrava-se dos abraços, dos beijos, das lágrimas
e do dia que resolveu partir. Lembrava-se das risadas, do carinho, das brigas,
mas não se lembrava de deixar de amá-lo. Sabia, naquela época, que não era a
hora certa, que precisavam amadurecer para poderem ficarem juntos. Agora o
tempo tinha passado e ainda não estavam juntos.
Tentando relembrar o passado, Milly foi atrás
de suas coisas antigas. Encontrou cartas, fotos, bilhetes, desenhos... inúmeras
recordações de Tom. Em um dos cadernos encontrou uma carta que não se lembrava
de ter mandado, tampouco de ter escrito. Estava destinada a ele, a Tom. Já que
hoje ela não conseguia falar a ele o que sentia, decidiu, então, que usaria seu
passado para falar sobre o seu presente e seu futuro, porque a vida deles podia
ter mudado, eles podiam ter se tornado outras pessoas, mas de uma coisa Milly
tinha certeza, aquela carta representava o que ela tinha sentido por ele um
dia, o que sentia naquele momento e o que para sempre sentiria. A relação pode
desgastar, mas o verdadeiro amor nunca deixa de evoluir.
“São Paulo, 10 de fevereiro de 2007.
Querido,
Eu sei que fiz coisas erradas, talvez
imperdoáveis. Sei que fui tola e insensível. Mas sei mais ainda que meu amor
por você vai além de qualquer coisa nesse mundo.
Eu posso ter estado com outros, mas nenhum tem
graça, pois nenhum tem o gosto do seu beijo; nenhum me abraça como você me
abraça; nenhum é você. Nunca mais beijarei ninguém com o gosto e a vontade de
que beijo você.
Sei que errei, mas é da minha natureza. Porém,
nunca amei nenhum outro, porque para mim você é a vida, importante como o ar
que eu respiro. Eu te amo e não importa quantos pessoas passarem na minha vida,
eu sempre vou te amar. Para mim, não existe outro homem no mundo que não seja
você. Eu só te peço que me perdoe e confie em mim.
Eu te amo e é para sempre. Nada do que você me
diga, nem nenhuma outra pessoa, vai fazer isso mudar.
Te amo!”
O papel estava marcado com lágrimas que caiam
enquanto escrevia. Milly colocou a carta dentro de um velho envelope e guardou
no caderno. Sabia que não poderia entregar para Tom, não podia interferir na
felicidade dele dessa forma, mas queria mostrar para si mesmo no futuro, que
passe o tempo que passar, o sentimento dela por ele seria sempre renovado.
Você escreve muito bem, não devia parar. Tom, bom nome rs
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