A
noite caíra horas antes e agora se adentrava na madrugada tão completamente que
os barulhos da selva de pedra já se assemelhavam ao vazio celestial. Mariana
ainda estava acordada e não percebera as horas passando. Estava enfiada em mais
um livro, entretanto, não podia dizer que tinha entendido as últimas trintas
folhas que seus olhos tinham lido. Ao contrário do silêncio do lado de fora da
janela de seu quarto, sua mente borbulhava de pensamentos, de conversas consigo
mesma, de discussões futuras que estavam engasgadas com pessoas variadas e de
reflexões sobre o mundo, sobre sua vida e sobre a sua morte.
Não
que sua vida não valesse a pena, mas por vezes não entendia o motivo de ainda
estar viva. Se ela simplesmente sumisse, alguém sentiria sua falta? Quantas
pessoas chorariam sua morte? E quantas diriam que foi melhor assim? Quanto
tempo demorariam até encontrarem seu corpo? Morava sozinha, provavelmente iria
demorar até alguém do trabalho notar que não apareceu por não estar doente; ou
até seus amigos perceberem que ela não os procura há alguns dias; e seus pais,
que moram em outra cidade, notariam que não ligou, como faz toda quarta-feira?
Jogou
o livro de lado, suas mãos estavam cansadas. Era um Gabriel García Márquez,
merecia mais atenção do que podia proporcionar. Sentira seus olhos tremerem e
uma lágrima lhe escorreu pelo rosto. Àquela altura não sabia mais julgar se era
sono ou reflexo de seus pensamentos. Deixou cair até o queixo e então enxugou-a
com o dorso da mão. Outras vieram, e, talvez por cansaço, se entregou ao choro.
Não tinha tanta certeza do porquê chorava, não tinha vontade de morrer, mas
senti-se sozinha e a solidão, ah, a solidão, era o problema: a solidão fazia
com que desejasse, mais do que todas as coisas do mundo, a morte. Seu rosto se
afundou no travesseiro e dormiu, sem saber até que momento manteve sua cabeça
ocupada com tais pensamentos.
Algumas
horas depois, o rádio-relógio ao lado da cama despertou-a com o soar estridente
ecoando pelas paredes do minúsculo quarto. Teve a sensação de que bebera a
noite inteira; sua cabeça doía, seus olhos lacrimejavam e não conseguia
colocar-se de pé. Não se esforçou a fazê-lo. Apoiou as mãos trêmulas na cama e
sentou o corpo dolorido, como de costume ao acordar. Seu maxilar parecia fora do
lugar e mal podia abrir a boca, seca e com pequenas rachaduras recentes,
sedenta por água. Tentou abrir os olhos, mas a luz que entrava pela fresta da
janela e iluminava todo o espaço a impediu. Tapou-os com uma das mãos, enquanto
buscava com a outra o copo no criado-mudo ao lado, mas seu descuido fez com que
esbarrasse a mão e derrubasse o copo sobre o tapete de crochê novo que sua mãe
havia trazido da última vez que a visitara. Ainda tentava lembrar da madrugada
anterior, como acabara finalmente dormindo depois de tanto chorar e dos
pensamentos, que agora lhe soavam horríveis. Pôs-se a chorar de novo, dessa
vez, por culpa. Tinha uma vida maravilhosa, como poderia desejar morrer? Como
poderia pensar que estava sozinha? Tinha amigos com quem saía com frequência,
amigos que sabia poder contar em qualquer momento, seu melhor amigo, que fazia
questão de passar todo dia em sua casa para fazer companhia durante o jantar, e
ainda tinha um tesouro na casa de seus pais, sua irmã mais nova, a razão do seu
viver. Como poderia pensar em morrer e abandoná-la?
Deu-se conta, então, de que estava na hora de colocar suas desculpas em uma carta.
**Este post teve a colaboração da blogueira Larissa Lafleur, correspondente internacional do Criadiva Fashion Blog.**
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