Oitenta anos!
Ainda alimentava a ilusão de ser um jornalista. Nunca o fora, mas sempre
acreditou ser. Passou toda a sua vida reclamando, sem aproveitá-la, e agora
lamentava não ter vivido como queria.
Olhava pela
janela e via o sol nascer, podia ter visto mais vezes, mas estava ocupado de mais
lendo jornais e livros – um dia ainda isso lhe serviria para alguma coisa.
Não tinha mais
mulher, seus filhos o abandonaram depois da morte da mãe. Não tinha ninguém,
não tinha amigos, apenas aquela velha máquina de escrever a qual ele tratava
como se fosse sua filha.
Foram milhares
de papéis preenchidos com seus rabiscos. Acreditava que um dia alguém ainda ia
notar e, então, transformá-lo no tão sonhado jornalista que sonhava ser, mas que
nunca tinha buscado acontecer.
Outro dia,
dormiu sobre a máquina e sonhou que tinha vinte e dois anos. Era sua formatura.
Finalmente formava-se na carreira que havia escolhido. Estava sendo requisitado
pelos melhores jornais do país. Suas mãos escreviam artigos esplendorosos e ao
seu lado estava a mulher que amava. Fazia tudo que não tinha feito durante sua
vida inteira. Estava sendo feliz.
Acordou e achou
que ainda estava sonhando, escreveu um texto sobre como viver uma vida com
felicidade. Pensou ser um bom texto, mas como escrever sobre algo que você
desconhece? Levantou-se e foi tomar uma xícara de café. Foi então que notou que
poderia tentar recomeçar, faria tudo diferente, afinal, ainda não estava morto.
Animou-se, começou a arrumar suas coisas, iria atrás de jornais, atrás de seus
filhos. Começaria uma nova vida aos oitenta anos. Mas, bobagem isso tudo, não
poderia, era velho demais para tudo isso, logo morreria. Era um velho
fracassado. Quem iria contratar um senhor de barbas brancas e com ralos cabelos
na enrugada cabeça?
Voltou a dormir,
já de pijama e em sua própria cama. Acordou assustado de um sonho turbulento. O
suor escorria pelas costas. Havia sonhado com sua morte, viu-se dentro de um
caixão; as poucas pessoas que apareceram para prestar as últimas homenagens,
riam e atiravam flores murchas. Percebeu que o telefone tocando o tinha
despertado.
Há tempos o
telefone não tocava naquela casa. O barulho ecoou por toda a imensidão de
paredes da casa. Devia ser engano, deixou tocar. O som do toque parecia cada
vez mais alto e desesperado. Quem quer que fosse, era persistente. Provavelmente
era uma daquelas mulheres chatas que ligam para importunar as pessoas querendo
te oferecer um produto. Atendeu. Uma voz rouca do outro lado da linha perguntou
por Valdir. Era ele. O que alguém queria com ele? Provavelmente pedir alguma
coisa.
Era seu irmão.
Fazia exatamente um ano que não se falavam. Queria lembrar Valdir de dar os
parabéns a ele. Ele sempre esquecia, por isso seu irmão ligava. Deu, e
conversaram sobre a vida presente e passada. Derramou lágrimas de seus olhos ao
lembrar de sua infância e de tudo que já tinha passado. Lembrou-se da sua amada
esposa novamente. Como era difícil viver sem ela. Daria tudo para ela estar ali
com ele ainda. Tinha sido seu grande, eterno e único amor.
Despediu-se do
irmão e, pela primeira vez, disse que o amava. Desligou o telefone e apanhou um
retrato que guardava de sua mulher. Abraçou sob choro e soluços. Pensou nos
filhos e pensou nos netos, nas poucas vezes que os tinha visto. Como estariam?
Sentiu vontade de falar com eles, mas preferiu deixar para outro dia, como fez
com tudo em sua vida. Uma vez a mais ou a menos não faria diferença.
Deitou-se na
cama, ainda abraçando o retrato. Sentiu seu corpo pesar. Deu um beijo na esposa
e fechou os olhos para nunca mais abrir.